A corrida presidencial americana deste ano tem sido marcada por eventos dramáticos e mudanças abruptas no cenário político. Primeiramente, no aguardado debate televisionado, o presidente Joe Biden mostrou dificuldades em estruturar suas falas, gerando críticas e preocupações sobre sua performance e capacidade. Poucas semanas depois, um incidente ainda mais chocante ocorreu: o ex-presidente e pré-candidato republicano Donald Trump foi alvo de um disparo de fuzil que atingiu sua orelha direita, escapando por pouco de um ferimento fatal. Com essas turbulências, esperam-se mais desdobramentos, incluindo a possível desistência de Biden e a escolha de um novo candidato democrata, mais jovem, para a eleição marcada para 5 de novembro.
Embora as cenas dramáticas estejam dominando as manchetes, os números das pesquisas mostram um cenário mais estável. Donald Trump se mantém à frente de Biden, com a revista The Economist atribuindo-lhe uma probabilidade de vitória de 75%, contra apenas 25% do atual presidente. Este cenário se deve não só à vantagem de Trump nas pesquisas de intenção de voto, mas também ao seu desempenho nos estados-pêndulo, cruciais para determinar o resultado final. Trump lidera em Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Nevada, Georgia e Arizona, com margens variando de dois a seis pontos.
Após o desempenho desastroso de Biden no debate, observou-se uma tendência de subida de Trump, que abriu margens significativas de vantagem nas principais pesquisas, consolidando a percepção de uma possível vitória contundente do republicano nos estados competitivos. O atentado contra Trump no último domingo só reforçou essa posição dominante, aumentando suas chances de obter uma vitória clara em novembro, conforme destaca Andrei Roman, fundador e diretor do instituto de pesquisas AtlasIntel.
No entanto, o futuro ainda guarda incertezas. Os democratas podem virar o jogo se encontrarem um candidato viável e carismático para substituir Biden. Contudo, no momento, a fotografia é favorável a Trump, que tem sido hábil em conquistar a confiança dos americanos de classe média, brancos e sem diploma universitário, grupo crucial que lhe deu a vitória em 2016. Estes são os chamados “homens e mulheres esquecidos da América”, como descrito nas campanhas da convenção do Partido Republicano que formalizou os nomes de Trump e J.D. Vance como candidatos a presidente e vice. A escolha de J.D. Vance é estratégica para agradar este público. Sua história de vida, marcada por uma infância em uma área industrial em declínio, com uma mãe viciada em opioides e experiência militar no Iraque, ressoa profundamente com o eleitorado que Trump quer conquistar.
Com Vance ao seu lado, Trump lança uma ofensiva contra diversos inimigos percebidos por aqueles que se sentem deixados para trás – multinacionais, China, globalização, elite política de Washington, indústria farmacêutica, acordos de livre-comércio, imigrantes ilegais, universidades caras, a esquerda e a imprensa progressista. J.D. Vance, em suas aparições públicas, tem sido veemente ao afirmar que os Estados Unidos foram “inundados com produtos chineses baratos, mão de obra estrangeira barata e, mais recentemente, com fentanil chinês mortal”. Ele promete “reconstruir fábricas” e “proteger os salários dos trabalhadores americanos”, sinalizando uma volta às raízes do partido.
Em 2020, Biden conseguiu atrair muitos desses eleitores dos estados industriais ao prometer uma forte recuperação econômica pós-Covid. No entanto, a inflação elevada nos últimos anos corroeu o poder de compra e abalou a confiança daqueles mesmos eleitores. Embora a inflação tenha dado sinais de abrandamento, o padrão de vida não voltou aos níveis pré-pandemia, e setores como a mineração e manufatura ainda não se recuperaram plenamente. Os democratas têm se esforçado para manter o apoio dos sindicatos, além de cortejar eleitores negros e latinos, com uma retórica inclusiva para imigrantes e populações multirraciais. No entanto, entre os trabalhadores sindicalizados, a disputa entre Trump e Biden é praticamente um empate.
Se Trump for vitorioso em novembro, sua vitória pode redefinir a abordagem americana em várias frentes globais. Internamente, políticas protecionistas poderão ser reforçadas para favorecer os trabalhadores americanos, resultando em tarifas mais altas sobre produtos estrangeiros e uma maior dificuldade para a assinatura de novos tratados de livre-comércio, uma tendência já observada durante o governo Biden. Em vez de buscar amplas alianças comerciais, os Estados Unidos podem voltar a preferir acordos bilaterais que incluam cláusulas rigorosas de proteção aos direitos dos trabalhadores, procurando evitar competição desleal.
Na esfera geopolítica, um novo mandato de Trump poderia aprofundar a postura isolacionista dos EUA, reduzindo o apoio a países aliados. Tal cenário seria vantajoso para líderes como Vladimir Putin, mas desastroso para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, além de trazer incerteza quanto à proteção americana a Taiwan em face de uma possível agressão chinesa. Trump já indicou que espera que Taiwan pague pela defesa, similar às suas críticas anteriores sobre o ônus suportado pelos EUA na OTAN.
Quanto à América Latina, é possível que Trump renove esforços para conter a influência chinesa através de investimentos na região, como fez durante seu mandato entre 2017 e 2020. Contudo, o governo brasileiro, sob a liderança de Lula, teria que manter um pragmatismo cuidadoso para navegar essa relação, evitando que a afinidade entre Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro influencie negativamente. Para a política externa brasileira, comandada por figuras como Celso Amorim com um viés pragmatista e multilateral, a aproximação controlada com Washington será crucial. O Brasil deve continuar a buscar um equilíbrio entre as relações com os Estados Unidos e sua participação nos BRICS, além do fortalecimento de acordos bilaterais com outros parceiros comerciais relevantes.
Internamente, a agenda social e econômica de Trump, caso saia vitorioso, poderá encontrar resistência significativa em um Congresso possivelmente dividido. Leis sobre imigração, serviços de saúde e reforma do sistema de justiça criminal podem se tornar focos de batalhas legislativas intensas. A nomeação de juízes conservadores para o Supremo Tribunal e outras cortes federais também será uma prioridade, consolidando a influência conservadora no judiciário por gerações.
Para o Partido Democrata, uma derrota de Biden, especialmente após um debate desastroso e questões de saúde, pode desencadear uma reavaliação interna profunda. A busca por novos líderes, capazes de conectar melhor com uma base diversificada e jovem, será imperativa. Líderes como Kamala Harris, Pete Buttigieg e Alexandria Ocasio-Cortez podem emergir como potenciais candidatos para futuras corridas presidenciais, trazendo novas energias e perspectivas para um partido em transição.
Ainda existem inúmeras variáveis que podem influenciar o desfecho das eleições. A economia pode mostrar sinais de recuperação robusta, ou eventos internacionais imprevistos podem mudar a percepção dos eleitores. Além disso, a eficácia das campanhas eleitorais, a capacidade dos candidatos de mobilizar a base e de conquistar os indecisos, assim como a participação do eleitorado jovem, podem ser decisivas. As campanhas políticas nas redes sociais e a desinformação também continuam a ser um grande desafio, influenciando a opinião pública de maneiras muitas vezes imprevisíveis.
As próximas semanas serão cruciais para ambos os partidos. Enquanto Trump e Vance continuarão a defender uma visão de recuperação americana centrada no nacionalismo econômico e no fortalecimento das fronteiras, os democratas precisarão redobrar os esforços para transmitir uma mensagem de esperança e inclusão, sublinhando conquistas e prometendo um futuro construtivo.
As pesquisas indicarão se substituições na chapa democrata ou novas estratégias de campanha serão necessárias. Dos debates televisivos marcados aos comícios e visitas aos estados chave, cada movimento poderá inclinar a balança. Os índices de aprovação, a reação do público às aparições e discursos dos candidatos, bem como os desenvolvimentos econômicos e internacionais, serão acompanhados de perto por analistas e estrategistas.
Em resumo, ainda que a vantagem atual pareça favorecer Trump, o cenário político americano está longe de ser definido e mudanças súbitas são sempre possíveis em um ciclo eleitoral tão dinâmico e polarizado. Ambos os lados precisarão estar preparados para adaptar suas táticas conforme o desenrolar dos eventos, mantendo agilidade e resiliência até o último momento.