O Partido Revolucionário Institucional (PRI) comandou o México por mais de setenta anos, de 1929 a 2000, mantendo-se no poder através de um controle rígido do sistema eleitoral que impedia a ascensão de qualquer oposição. Esse domínio absoluto era garantido pelo “dedazo”, um método em que o presidente em exercício escolhia seu sucessor a dedo, sem chances para a concorrência.
Hoje, muitos mexicanos revivem esses temores ao assistirem à vitória de Claudia Sheinbaum nas eleições presidenciais com 60% dos votos. Sheinbaum é parte do partido Morena e sucederá Andrés Manuel López Obrador (AMLO) após ser apontada por ele como candidata. As preocupações ressurgem especialmente devido às reformas propostas por Sheinbaum e Obrador, as quais incluem o enfraquecimento do Instituto Nacional Eleitoral (INE) e a politização do Judiciário.
Riscos de Retrocesso
Com a contagem de votos ainda em curso para o Congresso, a questão sobre a viabilidade dessas reformas é tema de grande debate. Até o fechamento desta edição, cerca de 5% das urnas ainda aguardavam apuração. A coalizão governista de Morena, apesar de garantir uma maioria qualificada na Câmara, enfrenta um desafio ligeiramente maior no Senado, onde faltam dois assentos para os dois terços necessários.
Caso obtenham a maioria qualificada no Congresso, López Obrador e seus aliados poderiam aprovar reformas constitucionais sem necessidade de dialogar com a oposição. Sob o Plano C, AMLO visa desmantelar as instituições existentes, essencialmente revertendo mais de duas décadas de progresso político.
Impacto no INE e Judiciário
O foco principal das reformas é o INE, instituição equivalente ao Tribunal Superior Eleitoral no Brasil. O pacotão de reformas prevê cortes significativos no orçamento e eliminação de várias funções, o que poderia enfraquecer enormemente sua capacidade de supervisionar eleições. A medida de Obrador e Sheinbaum, apresentada como combate à corrupção e à duplicidade de funções, é criticada por muitos como uma estratégia para construir uma hegemonia política.
Além do INE, o Judiciário também é alvo de mudanças profundas. AMLO propõe eleições diretas para juízes da Suprema Corte, um movimento apoiado por Sheinbaum, que argumenta que os juízes atualmente estão cooptados por pequenos grupos elitistas. Contudo, essa proposta levanta grandes preocupações sobre a politização do Judiciário. Juízes eleitos poderiam ser menos independentes e mais propensos a evitar conflitos com o governo de plantão, comprometendo a separação de poderes e a proteção às minorias.
Histórico e Consequências
Essa batalha entre AMLO e as instituições democráticas tem um longo histórico. López Obrador nunca aceitou suas derrotas nas eleições de 2006 e 2012, alegando fraude sem provas conclusivas. A proposta de desmantelar o INE é vista por muitos como uma extensão dessa deslegitimação histórica da justiça eleitoral, uma postura que remete à era em que o PRI manipulava eleições para manter seu poder.
A democracia mexicana, que floresceu após décadas de domínio do PRI, enfrenta um teste crucial. As instituições que garantiram a alternância de poder estão sob ameaça de serem enfraquecidas ou desmanteladas. Em suma, o México pode estar à beira de um retrocesso significativo, relembrando um passado de hegemonia partidária e controle autoritário sob o manto de reformas “modernizadoras”.
Todos os olhos estão voltados para o desfecho da apuração e para a resistência das instituições que, até agora, conseguiram sustentar a democracia no país. A próxima semana será decisiva para o futuro político do México, com a expectativa de que os resultados definitivos das eleições sejam anunciados a partir do sábado, dia 8 de junho.
As palavras de Leopoldo Maldonado, diretor da ONG Artigo 19, ecoam um aviso urgente: “Minar o INE faz parte de uma estratégia de construção de uma hegemonia, compartilhada por governos autoritários na América Latina.” A comunidade internacional e a sociedade mexicana esperam ansiosamente ver se as instituições republicanas sobreviverão a essa nova investida política.
Continuaremos acompanhando de perto os desdobramentos e as implicações desta provável reconfiguração política no México.