Por Voz Insight Magazine
“Dois amores construíram duas cidades: o amor de Deus até o desprezo de si mesmo, e o amor de si mesmo até o desprezo de Deus.” — Santo Agostinho
Com essas palavras, Santo Agostinho não apenas inaugurou uma visão filosófica da história humana, mas ofereceu à Igreja uma chave de leitura espiritual para todos os tempos. Em cada gesto de um Papa, em cada encíclica, em cada escolha moral ou pastoral, a tensão entre esses dois amores reaparece.
E agora, com a eleição do Papa Leão XIV, essa tensão ganha um novo protagonista.
I. Um pontificado que nasce do Silêncio
Robert Francis Prevost nasceu em 14 de setembro de 1955, em Chicago, Illinois. Filho de Louis Marius Prevost e Mildred Martínez, carrega em si as heranças de três culturas: a francesa, a italiana e a espanhola. Sua formação atravessa fronteiras e décadas: Matemática pela Universidade Villanova, mestrado em Divindade pela Catholic Theological Union em Chicago, licenciatura e doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino em Roma.
Mas mais do que diplomas, seu coração foi moldado pelas montanhas do Peru, onde viveu por anos como missionário agostiniano. Ali, entre os pobres, os esquecidos e os que rezam em silêncio, formou-se não um político eclesial, mas um pastor. Foi Prior Provincial, depois Prior Geral da Ordem de Santo Agostinho, bispo de Chiclayo e, por fim, prefeito do Dicastério para os Bispos. E agora, Papa.
II. A espiritualidade agostiniana: uma resposta para tempos líquidos
Em tempos em que tudo é relativizado, a espiritualidade agostiniana oferece uma âncora. Santo Agostinho não pregava a perfeição moral, mas o arrependimento constante; não a rigidez, mas a fome de verdade. Para ele, o coração humano só encontra paz quando repousa em Deus. A verdadeira misericórdia, dizia, é a que conduz à conversão.
Leão XIV carrega essa herança espiritual. Sua formação não o colocou em conflito com o mundo por ideologia, mas por fidelidade. Ele sabe que a Igreja não foi criada para agradar, mas para salvar. E a salvação passa pelo reconhecimento do pecado, pela confissão, pela cruz. Não há cristianismo sem renúncia.
III. Leão XIV e João Paulo II: o mesmo fogo, diferentes chamas
As comparações com São João Paulo II são inevitáveis. Ambos vieram das margens do poder eclesial. Ambos foram formados em contextos de desafio: um na Polônia comunista, outro nas missões andinas. Ambos acreditam que a verdade não se negocia.
Mas Leão XIV não é uma cópia. Se João Paulo II era teatral, carismático, Leão XIV parece contemplativo, interior. Um leão silencioso, que observa antes de rugir. Um homem de joelhos antes de ser um homem de microfones. Mas o princípio é o mesmo: fidelidade à doutrina, ao Evangelho, à Tradição.
IV. O contraponto a Francisco: da ambiguidade à clareza
Durante o papado de Francisco, a Igreja buscou dialogar com o mundo de forma controversa. Muitos, porém, enxergaram nesse esforço não um diálogo sincero, mas uma rendição ao mundo contrário aos ensinamentos de Deus. O silêncio diante do aborto, a omissão frente ao massacre de cristãos em países de maioria muçulmana, e a tentativa de nivelar a Igreja de Cristo com religiões que negam Sua divindade — como evidenciado na controversa assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana, em Abu Dhabi, ao lado do grande imã de Al-Azhar — causaram perplexidade entre os fiéis. Some-se a isso a entrada de ídolos e símbolos pagãos nos jardins do Vaticano, descreditando o Primeiro Mandamento de Deus; a ambiguidade nas questões morais envolvendo o movimento LGBTQ+; a aproximação notória com ideologias globalistas; e o silêncio em relação à profanação da Santa Ceia durante Paris 2024. O resultado? Um rebanho desorientado e um altar que, para muitos, pareceu cada vez mais distante.
Leão XIV não chega como um revolucionário, mas como um restaurador. Espera-se dele não discursos de ruptura, mas atitudes de reencontro. Que reaproxime a Igreja de seu Fundador. Que devolva a centralidade à Eucaristia, a clareza à doutrina, a ousadia à pregação.
V. Um pastor que fala várias línguas e ouve o silêncio
Fluente em inglês, espanhol, italiano, francês e português, Leão XIV também lê latim e alemão. Mas a linguagem mais importante que ele parece dominar é a do silêncio. Aquele que precede as grandes decisões. Aquele que escuta antes de corrigir. Aquele que não se apressa a agradar, mas se demora a discernir.
Num mundo acelerado, ter um Papa que pausa é uma benção. Pois do silêncio pode nascer a verdadeira palavra. Não o discurso de efeito, mas a palavra que converte.
VI. A herança de Leão: firmeza sem rigidez
Leão XIV já manifestou oposição à imposição da ideologia de gênero, à normalização da prática homossexual na doutrina católica, e defendeu a clareza moral. Mas isso não faz dele um “linha-dura” sem coração. Sua forma de olhar é pastoral. Seu compromisso é com a cura da alma, não com a condenação social.
Ele entende que a liberdade cristã nasce da obediência a Deus. Que a verdadeira misericórdia não é código penal, mas também não é permissividade. É um chamado constante à transformação.
VII. O simbolismo do nome: um novo rugido
Ao escolher o nome Leão XIV, o novo Papa evoca duas figuras marcantes: Leão I, o Grande, que enfrentou Átila com a fé; e Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum, que desafiou as ideologias do seu tempo com clareza doutrinal.
Esse nome não é casual. Ele é um aviso. Um rugido manso, mas decidido. A promessa de que a Igreja não se calará diante das ameaças morais, culturais e espirituais que hoje desafiam a humanidade.
VIII. Conclusão: a esperança renasce
A fumaça branca não subiu apenas de uma chaminé. Ela subiu de nossos corações. A esperança que por anos foi silenciada agora sussurra novamente. A Igreja pode reencontrar o caminho da cruz. O altar pode voltar a ser o centro.
Leão XIV tem diante de si uma escolha: moldar-se ao mundo ou conduzi-lo à Verdade. E se escolher a cruz — tudo indica que sim —, não será apenas Papa. Será sinal. Será guia. Será santo.
Que Deus o abençoe. E que nós sejamos dignos de segui-lo. Porque a verdadeira reforma não começa com estratégias. Começa com santidade.
