Em uma reviravolta que deixou até os roteiristas de telenovelas bolivianas de cabelo em pé, o general Juan José Zuñiga, então comendador-mor do Exército da Bolívia, resolveu desfilar pela Praça Murillo como se fosse Carnaval. Foi assim que, nesta quarta-feira, 26, ele enviou suas tropas ao centro de La Paz e marchou altivamente até a porta do Palácio Quemado, onde reside o Executivo.
Nessa surpreendente acaba-novela, o general teve um tête-à-tête com ninguém menos que o presidente Luis Arce Catacora (veja a foto da gloriosa reunião). E adivinhe? Nada aconteceu. Catacora, com sua verve presidencial, deu um puxão de orelha no general Zuñiga. Sem ser preso, o presidente seguiu dando ordens e até trocou seus ministros militares em um passe de mágica. Já Zuñiga voltou para sua base, camuflado e desfilando de novo.
Uma Ópera Bufa de Golpe de Estado?
E aqui fica a grande interrogação: Se a ideia era dar um golpe de Estado, por que Zuñiga desistiu no meio do caminho? Quem sabe ele lembrou que esqueceu o forno ligado em casa?
“O que vimos hoje na Bolívia foi um episódio embaraçoso que mostra a decadência do governo liderado pelo Movimento ao Socialismo, MAS, que pretendeu fazer um show midiático com um suposto autogolpe, com características ridículas“, lamentou o cientista político boliviano Santiago Terceros, diretamente de Santa Cruz de la Sierra. É, caros leitores, um cientista político que sabe reconhecer um teatro quando vê um.
“A tomada de poder implica, bem, na tomada do poder. Nunca se viu, na história dos golpes, um presidente ficar conversando à porta do palácio com o general que deveria estar o derrubando“, completou Terceros. Parece que até os golpes na Bolívia estão indo para a lama.
Próximos Passos na Telenovela Boliviana
De qualquer maneira, nossa estrela presidencial, Luis Arce Catacora, deverá aproveitar esse espetáculo para ganhar pontos políticos. “Catacora certamente se fará de vítima. Provavelmente, resultará em um endurecimento das posições do governo atual, que não sabe como resolver a situação econômica e só pensa na eleição, mesmo faltando mais de um ano para a mudança de governo“, explicou Terceros.
Nesta quarta, a Central Obrera Boliviana, aquele grupo que mais parece trabalhar de guarda-costas de Evo Morales, anunciou uma “greve geral indefinida” em apoio ao presidente Catacora. Um aplauso para eles, por favor.
Outros Atos Ridículos
Este evento não é um caso isolado. Governantes ao redor do mundo têm utilizado situações nebulosas de supostos golpes de Estado para silenciar a oposição e fortalecer o poder central. Relembremos Hugo Chávez na Venezuela em 2002 e Recep Tayyip Erdogan na Turquia em 2016. É quase uma escola de teatro global.
O Circo Continua
Como se não bastasse, o ditador cubano Miguel Díaz-Canel veio a público para felicitar o retumbante fracasso do suposto golpe de Estado. “Saudamos a retirada das tropas golpistas da Praça Murillo em La Paz. Outro golpe militar na Bolívia seria uma nova afronta para a América Latina da paz“, exclamou no X (antigo Twitter), o ditador que ainda acha que enviar soldados cubanos para a Ucrânia é uma boa ideia.
Para não ficar atrás, o ditador venezuelano Nicolás Maduro também deu seu pitaco. “Chega de golpes de Estado, de genocídios e de massacres contra os povos da América Latina“, disse o revolucionário, direto de Caracas. “A América Latina tem que cuidar de sua democracia.“
E lá vão Cuba e Venezuela, nos lembrando diariamente como é manter a tradição das duas ditaduras militares da América Latina em alto estilo.