Em um país onde o futebol, o churrasco e as novelas são temas de consenso, o debate sobre o aborto, claro, está longe de ser resolvido com a mesma facilidade. Nas últimas semanas, acompanhamos um espetáculo político digno dos melhores roteiros de drama, com a discussão fervorosa sobre o aborto sendo trazida ao palco principal pelas mentes brilhantes dos partidos de esquerda, mídia engajada e ativistas que afirmam representar as 100 milhões de mulheres brasileiras.
Não é surpresa para ninguém que o tema polariza a opinião pública – uma parte é a favor, outra contra. Cada lado possui seus argumentos bem fundamentados, que variam desde considerações de consciência, crença pessoal, até questões médicas e sociais. Porque, afinal, entender o que significa vida humana parece ser um mistério que milhões de anos de evolução ainda não resolveram.
Dado esse impasse, qual seria a solução mais sensata? Para desespero dos especialistas, que tal deixarmos a decisão nas mãos da maioria? Afinal, a maneira mais eficaz de determinar a posição da maioria sobre algo tão complexo quanto o aborto é, obviamente, através de um plebiscito ou uma simples lei aprovada por nossos estimados representantes no Congresso Nacional. Sim, aquele mesmo Congresso que, segundo nossa amada Constituição, ecoa a voz de cada brasileirinho.
Entretanto, a novela não estaria completa sem a ala contrária tentando impedir qualquer avanço por meio de canais legais. Estes defensores da proibição argumentam que os parlamentares – nossos faróis de sabedoria – não têm o direito de legislar sobre o tema. No momento, discute-se uma lei que propõe um limite máximo de cinco meses para abortar. Passado esse período, o ato equivaleria a homicídio, tamanho o desenvolvimento do feto.
Mas espere, tem mais! Em um surpreendente giro de roteiro, a questão do limite temporal para o aborto foi transformada em uma discussão sobre estupro. A tal lei é acusada de ser uma “Lei dos Estupradores”. Surreal? Talvez, mas real na nossa política. Como se a lei se propusesse a proteger os estupradores, quando, na verdade, ela busca apenas punir quem opta por abortar após cinco meses de gravidez, quando o feto já dança e ouve baladas ali dentro.
Mas quem precisa de leis e argumentos factuais quando se tem a poderosa caneta de um ministro do Supremo Tribunal Federal? Pois é, o ministro Alexandre de Moraes decidiu que impor qualquer limite temporal ao aborto é ultrajante. E se ele não sugeriu um prazo alternativo, muito menos os críticos da proposta, ficamos então no limbo: qual seria o limite ideal? Seis meses? Oito? Até o parto? Quem sabe?
A pergunta que não quer calar é: por que diabos deve valer a decisão de um ministro do STF e não a de deputados e senadores eleitos pelo povo? Para aqueles que são favoráveis a um limite, passar dos cinco meses é inaceitável. É o que o Conselho Federal de Medicina, que entende um pouquinho dessas coisas, recomenda. Afinal, matar um feto com seringa no coração é, para eles, uma forma direta de assassinato, crime previsto claramente no nosso Código Penal.
Agora, deixem me perguntar: desde quando o Congresso Nacional, que é amplamente criticado por não regular as redes sociais, torna-se o vilão fascista ao querer legislar sobre o aborto? É Lula chamando a ideia de “insanidade” enquanto acusa o Congresso de não agir como se fosse o dono da verdade suprema.
Enfim, o que temos é mais um capítulo do grande espetáculo brasileiro. Com dois lados opostos, será que não podemos ao menos permitir que a decisão passe pelo crivo daqueles que, teoricamente, representam a maioria de nós?