Em meados da década de 1990, o julgamento de O.J. Simpson por duplo homicídio atraiu a atenção mundial. A defesa de Simpson, diante de evidências contundentes, jogou a cartada racial, destacando prejuízos raciais na investigação conduzida pelas autoridades de Los Angeles. Apesar das provas robustas contra ele, Simpson foi absolvido, levantando questões sobre o peso da narrativa e das percepções sociais em processos judiciais.
Esse episódio nos Estados Unidos ecoa, em muitos sentidos, as estratégias de defesa adotadas por políticos e empresários brasileiros investigados durante a Operação Lava Jato. Frente a acusações de corrupção vastamente documentadas, as defesas concentraram-se em alegar irregularidades processuais e insinuar motivações políticas dos investigadores e magistrados. Com o tempo e mudanças nas marés políticas, algumas das condenações de figuras proeminentes foram anuladas, levantando suspeitas sobre a real motivação por trás dessas decisões.
No contexto brasileiro, a anulação de sentenças da Lava Jato não parece ter raízes puramente jurídicas. Mais do que tudo, essas ações refletem uma dinâmica política em que a tradição da impunidade parece ter reemergido, superando breves ondas de esperança por justiça eficaz.
O cenário político no Brasil, especialmente ao longo dos últimos anos, tem sido marcado por profundo tumulto. A partir de 2019, o conflito entre poderes se intensificou, culminando em um ambiente quase golpista durante as eleições de 2022. Entrementes, o sistema de fiscalização e combate à corrupção tem sido progressivamente desmontado desde 2018.
Em paralelo, e talvez ainda mais preocupante, está o crescente uso da tensão política para justificar restrições às liberdades fundamentais. Sinais alarmantes surgem do próprio Supremo Tribunal Federal, que, em um momento glorioso de 2015, defendeu a irrestrita liberdade de publicação de biografias. Contudo, decisões subsequentes têm determinado censuras de conteúdo, principalmente no âmbito das redes sociais, sob a justificativa de proteger a democracia.
As críticas e tentativas de regulação das redes sociais por alguns membros do judiciário reforçam a percepção de uma aversão sistêmica à livre comunicação. Embora a mídia digital possa certamente propagar desinformação, as medidas punitivas, como remoção de conteúdo ou desmonetização de mídias, muitas vezes carecem de base legal clara e ameaçam os pilares da expressão livre em uma sociedade democrática.É vital, sim, combater condutas criminosas, como a propagação de ódio ou o uso de tecnologias de manipulação como robôs ou inteligência artificial para fins nefastos. No entanto, controlar o debate público ou proteger o poder de críticas está longe de ser compatível com os preceitos de liberdade de expressão.
A defesa da democracia precisa ser equilibrada e não pode descambar para a censura. Encontrar esse equilíbrio é um desafio urgente. Assim, enquanto tentamos proteger a democracia, devemos também zelar para que as medidas adotadas não enfraqueçam seus próprios alicerces fundamentais.