Terminou ontem o que certamente será lembrado como o 12º Gilmarpalooza, oficialmente conhecido como Fórum de Lisboa, um evento tão previsível quanto inevitável. Se eu tivesse escrito esse artigo no ano passado ou próximo, poucas palavras precisariam ser mudadas. Afinal, só um cataclismo à la terremoto de 1755 parece capaz de alterar o curso desse espetáculo anual de hipocrisia institucional.
O Fórum de Lisboa, carinhosamente batizado de “Gilmarpalooza”, porque, claro, por que não ter um festival com o nome de sua eminência Gilmar Mendes? O evento organizado pelo IDP, o instituto que Mendes fundou, é uma celebração que já faz parte do calendário oficial brasileiro – não oficialmente, claro, pois, nada é oficial quando se trata de flertar tão descaradamente com os interesses privados sob o manto da coisa pública.
Durante esses dias gloriosos, atividades em Brasília são suspensas, como se as engrenagens do país dependessem desse interlúdio lisboeta. Ministros do STF, executivos do governo Lula, presidentes da Câmara e do Senado passam pelos corredores e painéis, falando sobre tudo enquanto o país observa de longe, com suas comicidades diárias interrompidas por um evento mais cínico do que assistia-se em qualquer telenovela.
E o que dizer das reuniões informais, dos almoços e jantares – regados a vinho, com certeza –, onde as fronteiras entre o público e o privado derretem na brasa do churrasco? O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ofertou um jantar a Roberto Campos Neto. O mesmo Campos Neto, presidente do Banco Central, considerado pelos petistas como anticristo, apertou as mãos de Tarcísio em um gesto que deveria repercutir de maneira institucional, mas que assim como um bom churrasco, só evidencia a informalidade com que tratamos políticas públicas sérias.
Lula, sempre ele, se fez presente na crítica, mas sua soberba não lhe impediu de, em tempos recentes, reunir-se informalmente com Campos Neto – e não para resolver impasses políticos num escritório selado, mas em um churrasco na Granja do Torto. Parecia mais sobre quem domava a brasa melhor do que sobre balizar as políticas econômicas do país.
E falando em justificativas esfarrapadas, o STF, confrontado por críticas sobre a participação de seus ministros em eventos privados, chegou ao cúmulo de se defender alegando que os tais eventos são oportunidades de compartilhar conhecimento. Democratização do conhecimento? Claro, mas só para quem pode pagar uma poltrona executiva na TAP até Lisboa.
A grande malandragem por trás desse show internacional de cordialidade brasileira? Networking. O que Malu Gaspar expôs no Globo sobre o Fórum de Lisboa anterior apenas sublinha o que todos sabemos: os jantares e eventos paralelos não são meramente sociais, mas o verdadeiro palco das discussões decisivas.
Max Weber, em seus estudos burocráticos, provavelmente teria um ataque de nervos diante desse carnaval de informalidade transvestida de formal. De acordo com Weber, a impessoalidade deveria reger os escritórios modernos. É um conceito que simplesmente não pegou por aqui, onde a cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda ainda norteia nossas relações.
O “homem cordial” de Holanda não é gentil ou bondoso, mas um ser que confunde o público com o privado, misturando coração e política numa alquimia nem sempre civilizada. O conceito foi desvirtuado para justificar uma intimidade estatal que ignora a ética e a isenção. Conflitos de interesse? Ora, isso é uma piada em um cenário onde o “churrasco de graça” dita as regras.
E se Pangloss, o otimista irremediável de Voltaire, estivesse presente neste Gilmarpalooza, ele nos brindaria com seu famoso otimismo cínico: “As instituições estão funcionando”. E assim, continuamos a festividade ritmada, em um Brasil onde o público e o privado se entrelaçam em um convescote sem fim.
Nesta quadra cívica de um país eternamente alheio à impessoalidade, o Fórum de Lisboa reafirma-se como mais um monumento ao cinismo institucional. Que Gilmar Mendes tire o chapéu, pois essa festa é um tremendo sucesso.