A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, recebeu um endosso significativo do presidente Joe Biden para ser a candidata do Partido Democrata nas próximas eleições presidenciais de novembro. Com este apoio, Harris se coloca como forte candidata a se tornar a primeira mulher, afro-americana e asiático-americana a ocupar a presidência dos Estados Unidos, uma conquista histórica tripla em um país com mais de dois séculos de democracia.
O Peso da História
Com sua potencial nomeação, Harris terá que enfrentar uma questão central: sua identidade tripla pode se converter em votos suficientes para vencer nas urnas?
Mulher: Em mais de 200 anos de história, os Estados Unidos tiveram 46 presidentes – todos homens. A primeira tentativa significativa de quebrar este padrão ocorreu em 2016, quando Hillary Clinton, também do Partido Democrata, perdeu para Donald Trump. Segundo dados do instituto Gallup de 2019, 94% dos americanos estavam dispostos a votar em uma mulher, mas uma pesquisa da Ipsos do mesmo ano revelou que 33% acreditavam que seus vizinhos não se sentiriam confortáveis com uma mulher presidente. Esse cenário reflete a existência de um machismo latente, que embora não seja facilmente detectável, ainda pode influenciar o comportamento dos eleitores.
Identidade Afro-Americana
Kamala Harris carrega o rótulo de “African-American” por parte de seu pai, Donald Harris, um economista jamaicano. Nos Estados Unidos, onde a regra de “uma gota de sangue” categoriza qualquer pessoa com ascendência negra como afro-americana, Harris se encontra na companhia de Barack Obama, cujo pai era do Quênia e a mãe uma antropóloga americana branca. Obama provou, com duas eleições vitoriosas, que o país está disposto a eleger um presidente negro. No entanto, a trajetória pessoal de Kamala é distinta da maioria dos eleitores negros americanos, cujas famílias muitas vezes têm um histórico de escravidão e segregação.
Herança Asiática-Americana
Por parte da mãe, Kamala Harris também se identifica como asiático-americana. Sua mãe, Shyamala Gopalan, era uma endocrinologista vinda da Índia, um país não tipicamente visto como um grupo desfavorecido nos Estados Unidos. Muitos indianos-americanos encontram-se em posições de destaque, principalmente no setor de tecnologia na Califórnia. Dados do censo mostram que os lares indianos possuem renda superior à média dos lares americanos brancos, um indicador da bem-sucedida integração e ascensão socioeconômica dessa comunidade no país. No entanto, essa realidade pode criar uma desconexão entre Harris e outros grupos de eleitores que se sentem marginalizados, como os latino-americano.
Desafios de Conexão com Eleitores
Kamala Harris ainda enfrenta uma barreira significativa: sua estatura de elite intelectual. Seus pais, educados e militantes pelos direitos civis dos anos 1960, proporcionaram-lhe uma infância envolta no ativismo e no prestígio acadêmico. Harris frequentou algumas das instituições mais prestigiadas dos EUA e emergiu como uma figura pública de destaque. Esse background privilegiado pode prejudicar sua conexão com eleitores de classe trabalhadora e comunidades que se sentem desamparadas pelo sistema.
Perspectivas Eleitorais
Pesquisas revelam uma divisão na opinião dos eleitores latinos, com 39% tendo uma visão favorável de Harris e 38% desfavorável, segundo dados da Ipsos de abril. Este equilíbrio sugere que Harris terá trabalho para conquistar o eleitorado latino, crucial em eleições nacionais.
Kamala Harris representa um potencial ponto de inflexão histórico na política americana, mas precisará de uma estratégia eficaz para abordar as complexas dinâmicas sociais e eleitorais que definem a paisagem política dos EUA. Seu sucesso dependerá de sua capacidade de mobilizar amplos segmentos da população, transcendo as barreiras de gênero, raça e classe social que ainda prevalecem no eleitorado americano.