Quem foi que disse que os políticos conseguem criar movimentos do nada? Óbvio que não! Eles apenas têm aquela maravilhosa habilidade de ouvir as preocupações do povo e traduzir seus desejos em ações, certo? As eleições do Parlamento Europeu que terminaram no último domingo, dia 9, estão aí para provar isso. Os brilhantes analistas políticos encheram páginas descrevendo os candidatos da centro-direita, direita e extrema-direita como verdadeiros feiticeiros que, de algum modo, conseguem formar as opiniões do público. Detalhe: a maioria das matérias esqueceu de mencionar que isso tudo é desencadeado por um fenômeno de base, uma corrente de direita que cresce entre os cidadãos enquanto as ideias da esquerda perdem a força.
A prova está nos números: os partidos de direita conseguiram nada menos que 44% das cadeiras no próximo Parlamento Europeu. Para os desavisados, isso é quase o dobro do número conquistado pelos blocos de esquerda.
Mas não é só na Europa que isso está acontecendo. O fenômeno também aparece nos Estados Unidos e, vejam só, no Brasil. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que certamente não perde uma oportunidade, usou os resultados europeus a seu favor. No X (não, não estamos repetindo, é o nome da rede social mesmo), ele escreveu: “A Europa mostra que a vontade popular prevalece sem determinadas intromissões e logo mais (esses números) se repetirão em outras partes do mundo.” Ele ainda afirmou que a vitória do povo demonstra como as agendas impostas “pelo sistema” não estão satisfazendo as vontades do público. Claro, porque ele e sua família são os escolhidos para liderar essa onda, né?
No Hemisfério Norte, e em especial na Europa pós-União Soviética (será?), a queda da esquerda foi notável, mas a esquerda não ficou parada. Adaptaram-se, abraçando causas sociais como os direitos das minorias, meio ambiente, entre outros. No entanto, estas bandeiras parecem esgotadas. Combater o aquecimento global? Ótimo, quem não quer salvar o planeta? Mas, quando o preço da conta de luz aumenta, todo mundo pula fora do barco verde. Na Alemanha, por exemplo, onde a população tem a consciência ambiental mais alta do planeta, uma proposta para trocar combustíveis fósseis por fontes renováveis no aquecimento residencial praticamente destruiu a popularidade do governo.
A esquerda também não está mais conseguindo empunhar com sucesso a bandeira do europeísmo. Curiosamente, no início, a esquerda era contra a União Europeia, mas, nos últimos 20 anos, ela se tornou a defensora do bloco. Hoje, a crítica à UE por líderes de direita já nem causa tanto alarde. E por quê? Porque após o Brexit e suas consequências, nem mesmo os líderes da direita querem mais a saída dos seus países do bloco. Esse giro completo é digno de um filme de comédia.
E claro, não podemos esquecer dos imigrantes. Até a esquerda que estava na frente da defesa dos direitos dos imigrantes teve que endurecer suas políticas. O novo plano da UE para lidar com a questão foi em boa parte inspirado em políticas de direita. Nos Estados Unidos, o querido presidente democrata Joe Biden mostra seu lado durão tentando controlar a fronteira com o México.
Para fechar com chave de ouro, nem precisamos ir muito longe. No Brasil, Lula falou com o grande público sindical no 1º de Maio em São Paulo e… foi um fiasco. O governo não consegue avançar na legislação para trabalhadores por aplicativo, e nem mesmo Lula, o eterno “representante dos trabalhadores”, consegue empolgar a plateia.
Números expressivos desta virada estão por toda parte. A bancada da esquerda na Câmara Brasileira é a menor em duas décadas, enquanto a direita está lá no topo. E a cereja do bolo? 41% dos brasileiros se posicionam à direita, contra apenas 18% que se consideram de esquerda.
Quando Lula comentou sobre as eleições europeias, ele mostrou a sua preocupação com a democracia. Mas o que ele talvez não esteja vendo é que, na prática, a vontade do povo não parece estar acompanhando essa preocupação dele. Em resumo, a democracia “sem intromissões” é apenas a democracia que não concorda com ele.
E assim segue o espetáculo da política, onde nada é como parece e tudo é como realmente é. Quem diria?