O regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, expediu um mandado de prisão contra seu ex-rival nas eleições de 28 de julho, o diplomata Edmundo González, nesta segunda, 2 de setembro. Ele não se entregou às autoridades até o fechamento desta edição. A ordem de prisão se dá após González descumprir intimações da Procuradoria-Geral da República pela terceira vez em uma semana. A procuradoria quer que o diplomata preste depoimento sobre a apuração paralela das eleições. Ainda no final de julho, a coalizão que apoiou a candidatura de González declarou vitória por quase 70% dos votos. O regime rejeita essa contagem e afirma que Maduro teria vencido com mais de 51,2%.
O diplomata é acusado de usurpação de funções, de forjar documentos públicos, de instigação à desobediência, conspiração, sabotagem a sistemas e associação criminosa. As acusações não têm fundamento. A oposição apurou a votação graças a seus fiscais nas seções eleitorais. A legislação eleitoral venezuelana permite a presença de fiscais dos partidos nas seções eleitorais. Apesar do sistema digitalizado, as máquinas de votação na Venezuela imprimem recibos dos votos, que são depositados em uma urna física no local. Os resultados apurados pela oposição estão disponíveis no site Resultados Con VZLA.
“Na Venezuela, não há uma procuradoria independente, tampouco há uma Justiça independente. Então, o mandado de prisão é uma ordem de Maduro”, diz o cientista político venezuelano José Vicente Carrasquero, do Miami Dade College. A eventual prisão de González é o mais recente avanço da repressão do regime para selar a fraude eleitoral.
Enquanto a coalizão de María Corina e González apresentou uma apuração própria, o regime de Nicolás Maduro se recusou a apresentar as atas das urnas. A desculpa das autoridades eleitorais, dominadas pelo chavismo, foi um suposto ataque hacker — nunca se apresentou evidência disso. Maduro chegou a usar o Catolicismo e profanar a Bíblia para justificar a omissão das atas. “Bem-aventurados os que não viram, e creram”, disse Maduro, citando João 20:29, em pronunciamento televisivo no início de agosto.
Maior observador eleitoral independente no 28 de julho, o Centro Carter, dos Estados Unidos, afirmou “não haver provas” de um ataque hacker aos sistemas eleitorais. O instituto, ligado ao ex-presidente Jimmy Carter, também estimou que González venceu o pleito. A afirmação se baseou não apenas nos números da oposição mas também com o de outras organizações e universidades. Em resposta, o chanceler de Maduro, Yvan Gil, acusou o Centro Carter de conluio com o governo americano para intervir na Venezuela.
Para legitimar a omissão das atas, Maduro acionou outro braço do chavismo, o Tribunal Superior de Justiça da Venezuela (TSJ). No final de agosto, a Corte constitucional referendou a vitória de Maduro por 51% dos votos. Supervisionado por uma ministra do TSJ que foi vereadora pelo partido chavista, o processo de “apuração” da Corte foi marcado pela opacidade. A oposição foi excluída da perícia. As autoridades não divulgaram a metodologia da “apuração” nem identificaram quem participou dela.
Antes do caso de González, mais de 1.500 cidadãos foram alvo de prisões arbitrárias em meio aos protestos contra a fraude — até 2023, o número de presos políticos no país mal chegava a 300. As estimativas são da organização não-governamental venezuelana Foro Penal. Segundo a ONG, os detidos não tiveram acesso a defesa privada. Todos respondem por terrorismo, incitação ao ódio e associação criminosa. A pena acumulada passa dos 30 anos de prisão.
O avanço da repressão de Maduro já impacta no Brasil, antes mesmo de uma eventual nova onda migratória. Após a expedição do mandado de prisão de González, o Brasil publicou uma nota conjunta com a Colômbia descrevendo a situação com “profunda preocupação”. O assessor especial da Presidência e ex-chanceler Celso Amorim também afirmou “preocupação”. Palavras não apenas tardias, mas vazias.
Afinal, apesar de Lula afirmar que não reconhece a eleição de Maduro, o petista segue na defesa de um segundo turno na Venezuela. E, se depender do governo brasileiro, a nova eleição não teria verificação externa. Esse ponto levou o Brasil a vetar uma resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a apuração do pleito de julho. Enquanto a repressão aumenta, Lula muda as palavras, mas a segunda chance ao ditador continua no papel.