Por Cel Gerson Gomes
“Efeito Orloff” é uma expressão que se popularizou no Brasil para descrever situações futuras desagradáveis e decorrentes de escolhas mal feitas no presente. Uma frase emblemática está associada a tal efeito: “eu sou você amanhã“.
A jocosa advertência teve origem em uma campanha publicitária, da década de 1980, que apregoava as vantagens da vodca Orloff sobre suas concorrentes, vantagens essas perceptíveis no dia seguinte ao consumo das bebidas.
O “efeito Orloff” me ocorreu há poucos dias, quando dirigentes dos maiores fundos de pensão do país foram chamados para uma reunião no Palácio do Planalto. Um dramático sinal de advertência me veio à mente, ao lembrar de um livro, que me foi presenteado pelo próprio autor, com o título: CASO VARIG – A história da maior tragédia da aviação brasileira.
O comandante Marcelo Duarte Lins abre sua obra, datada de 2015, com as seguintes palavras: “este registro é dedicado aos mais de 1300 aposentados e pensionistas do Fundo de Pensão Aerus, que faleceram sem terem visto seus direitos previdenciários honrados”.
Fundos de pensão são instrumentos financeiros criados para administrar recursos destinados à aposentadoria dos trabalhadores. Formados por contribuições de empregadores e empregados, esses fundos representam um dos maiores pilares do sistema financeiro global, sendo responsáveis pela movimentação de trilhões de dólares em investimentos.
Fundos de pensão do Japão, Noruega e Coreia do Sul, juntos, administram mais de US$ 4 trilhões de dólares em ativos. Apenas o fundo norueguês, como exemplo, foi responsável pela gestão de US$ 1,4 trilhão de dólares em 2023, cifra próxima ao produto interno bruto (PIB) de toda a Austrália!
No Brasil, existem cerca de 300 entidades privadas de fundos de pensões, conhecidos também como entidades fechadas de previdência complementar. Esses fundos administram mais de R$ 1,25 trilhão de reais em ativos. Os maiores incluem a Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e o Postalis (Correios).
Somente a Previ, o maior fundo da América Latina, esteve à frente de cerca de R$ 220 bilhões em ativos no ano passado. Todos os fundos citados acima estavam presentes na reunião com o Presidente Lula, realizada no último dia 21 de agosto, em Brasília.
Os maiores fundos de pensão brasileiros são ligados a estatais e enfrentaram, em passado recente, prejuízos advindos de gestão temerária e fraudulenta, em um contexto de extrema interferência política durante os governos petistas de 2003 a 2015.
No governo tampão de Michel Temer, uma força-tarefa formada pela Polícia Federal e Ministério Público conduziu a operação Greenfield, que revelou esquemas de corrupção bilionários com uso de recursos desses fundos.
Em outubro de 2017, em meio às investigações da Greenfield, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) se viu obrigada a decretar a intervenção no Postalis, face ao enorme rombo deixado por gestores “escolhidos a dedo” pelos governos Lula e Dilma. Mais de R$ 11 bilhões foram recuperados pela Força-Tarefa, que viria a sofrer a mesma pressão de asfixia que sua irmã mais famosa na operação Lava-Jato.
Nos contracheques dos integrantes da Funcef, Petros e Postalis aparecem descontos, cada vez maiores, para cobrir rombos de gestores que integraram um verdadeiro esquema mafioso. Há possibilidade de que a Previ possa encarar o mesmo pesadelo dos demais e, o que foi criado para dar segurança e tranquilidade na velhice, tire o sono de muita gente também no BB.
Trabalhadores que hoje depositam confiantes seus recursos e esperanças em fundos de aposentadoria devem ser criteriosos na fiscalização de seus gestores. O Aerus, atualmente em liquidação extra judicial, já foi o terceiro maior fundo privado de pensão no país, tido como muito sólido e menor apenas que a Previ e o Petros.
O naufrágio da VARIG, considerado por muitos como premeditado e fraudulento, legou um rombo de R$ 3 bilhões ao Aerus. Em 2005, a maior empresa de transporte aéreo do país contava com 12 mil trabalhadores ativos, voando para 21 cidades no exterior e 32 destinos no Brasil. Após sua falência, mais de 600 pilotos brasileiros foram obrigados a deixar o país, passando a voar em empresas estrangeiras.
Há muito que ser explicado sobre os interesses subjascentes à crise do setor aéreo brasileiro, vivenciada na virada do século. Alguns atores coadjuvantes daquela época hoje ocupam posições estratégicas no cenário nacional. O mais destacado, sem dúvida, é Cristiano Zanin, ex advogado de defesa de Lula durante os processos da Operação Lava Jato e atual membro da Suprema Corte brasileira.
Cristiano Zanin Martins, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), é casado com Valeska Zanin Martins, filha de Roberto Teixeira, compadre de Lula e principal articulador, em 2006/2007, do maior negócio feito na aviação civil brasileira. Após reunião com Lula, o empresário Nenê Constantino (dono da Gol) e o compadre-advogado Teixeira foram fotografados ao deixarem o Palácio do Planalto.
A Gol pagou pela “parte boa” da Varig US$ 320 milhões, mais de dez vezes o valor desembolsado na operação da VarigLog há menos de um ano, em operação também intermediada por Teixeira. O ministro Guido Mantega afirmou que a compra foi positiva, o Vice-Presidente José Alencar (que acumulava a função de Ministro da Defesa) também elogiou o negócio e o CADE o aprovou, por unanimidade.
Apesar da “felicidade geral da nação” o processo de venda foi alvo de várias acusações de tráfico de influência e corrupção. Teixeira inicialmente admitiu, em depoimento, que recebeu US$ 350 mil por serviços prestados.
Posteriormente, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, confirmou que recebeu US$ 3.266.825,79, incluindo uma taxa de sucesso de US$ 750 mil pela participação na compra da Varig em leilão judicial. Esse valor referia-se aos serviços prestados entre abril de 2006 e junho de 2007, com Teixeira ainda cobrando US$ 682 mil por serviços não pagos até janeiro de 2008.
A ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu, também acusou Teixeira de usar seu livre trânsito com figuras do governo para aprovar a compra da VarigLog e da Varig. A Comissão de Infra-estrutura do Senado, por sua vez, convocou Roberto Teixeira, sua filha Valeska e outros envolvidos para depor sobre o caso, suspeitando que o plano de recuperação da empresa não tinha esse objetivo, mas sim, esquartejá-la de acordo com interesses de um pequeno grupo.
Além da Gol, que inicialmente assumiu a operação nacional, também a TAM se beneficiou dessa controvertida fase, por intermédio de um acordo operacional com a Varig que lhe rendeu caríssimos slots nos melhores aeroportos dos EUA e Europa. Por coincidência, a empresa foi uma grande doadora das campanhas do PT nas eleições de 1998, 2002 e 2006.
Certa feita, nos idos de 2017, o atual Vice-Presidente da República, Geraldo Alckimin, afirmou que Lula “queria voltar à cena do crime”. Abstraindo das razões que levaram o ex governador de SP, antigo adversário, a ser aceito na quadrilha, cabe a lembrança de que muitas das práticas criminosas, por ele mesmo apontadas, voltaram a ser frequentes na atual administração federal, pondo em risco a credibilidade da Previdência Privada Complementar no Brasil.
Os ex funcionários da VARIG, seus pensionistas e familiares seguem na luta por seus direitos trabalhistas e previdenciários. Ao melhor estilo do “efeito Orlof”, deixam aos incautos de 2024 um aviso de elevada utilidade pública: “Eu sou você amanhã”.